Mestres cervejeiros, mas pode chamar de alquimistas
- Raphaele Caixeta
- 19 de jan. de 2018
- 4 min de leitura
Servidores do TCU no horário livre trocam a mesa de escritório por panelas gigantes, relatórios de malte e audiências para produção de cerveja em grupo

No filme de animação Ratatouille (EUA, 2007), o grande chefe Auguste Gusteou recorre a uma máxima: “qualquer um pode cozinhar”. Já no Tribunal de Contas da União (TCU) temos cervejeiros apaixonados que dizem realmente acreditar que “qualquer um pode fazer cerveja”.
Percorremos os corredores do TCU em busca dos mestres cervejeiros, do edifício sede ao anexo III, de cima a baixo, e encontramos verdadeiros entusiastas da cerveja artesanal. De primeira já encontramos uma dupla, amizade antiga, já fermentada. Guilherme Souto, da SeinfraPetróleo e Glauco Scandaroli, da SeinfraElétrica, compartilham o gosto pela bebida desde os tempos de faculdade.

Guilherme Souto e Glauco Scandaroli (crédito: Raphaele Caixeta)
Guilherme conta que assim que o amigo voltou do doutorado no exterior se juntou ao grupo que já produzia as cervejas, e veio definitivamente para se somar ao processo. “A gente fazia de maneira mais precária, ele é mais sistemático, começou a estudar mais a respeito e a propor processos diferentes de fermentação” conta o servidor.
Os dois, que estudaram juntos para o concurso e entraram no TCU no mesmo ano, continuaram a parceria e chegaram a levar a cerveja até o altar. Acontece que Glauco se casou em setembro do ano passado e Guilherme em julho deste ano, e as lembrancinhas de casamento foram exemplares das cervejas artesanais. Guilherme produziu as cervejas para o casamento de Glauco, e Glauco as cervejas para o casamento de Guilherme.

(crédito: Raphaele Caixeta)

(crédito: Raphaele Caixeta)

(crédito: Raphaele Caixeta)
E nessa história entra uma terceira pessoa, quem produziu os rótulos das cervejas de ambos foi a designer gráfica Evelynne Gubert, colaboradora terceirizada da Secom do TCU, e namorada de um dos amigos que integram o grupo de cervejeiros.
Perguntados sobre o motivo de começar a produzir cerveja os dois são certeiros: bebida de qualidade a preço acessível.

Guilherme Souto, Glauco Scandaroli e amigos (Acervo pessoal)
No Brasil, a cerveja é a bebida preferida em comemorações para dois terços (64%) dos entrevistados, de acordo com dados de pesquisa do Ibope de 2013. No entanto, o mercado de cerveja artesanal ainda é tímido. O Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja aponta a existência de 300 microcervejarias no País (dados de 2014). Elas produzem por volta de 11% da cerveja brasileira.
Questão de destino
Arsenio Dantas, do gabinete do ministro Bruno Dantas, é engenheiro mecânico e trabalhou por dois anos em uma cervejaria. Ele conta que na época entendia um pouco da produção em escala, mas que a produção artesanal difere muito.
O gosto pela cerveja feita em casa veio pela experimentação. “Você vai tomando uma cerveja especial daqui, dali e vai gostando”, conta. Mas a iniciativa veio de um sobrinho, que sugeriu que começassem a produzir a bebida por conta própria. Assim, desde maio de 2016, os dois produzem as próprias cervejas.

Arsenio Dantas,Gabinete do ministro Bruno Dantas (Acervo pessoal)
Arsenio conta que inicialmente adquiriram ferramentas como panelas e depois equipamentos de resfriamento para melhorar o processo. O servidor equipara o preparo da cerveja a cozinhar. “É como pegar uma receita de bolo e trabalhar em cima, você às vezes não segue à risca, coloca seu toque próprio”, comenta entusiasmado.
O cervejeiro garante que se dedica à prática menos pelo produto final e mais pelo hobby. “Leva seis horas para fazer a brasagem, já comecei de tarde e terminei meia-noite”, revela.
Algo em comum entre os cervejeiros é que eles não se mantêm presos a uma receita só. Arsenio, por exemplo, revela que desde o começo já fez cerveja de vários estilos, tais como: a blond, ypa, porter, imperial stalt. “O mais curioso de tudo é que a que mais deu trabalho foi a de trigo”, conta o animado cervejeiro.
E ele não para por aí, a ideia agora é adicionar aroma às cervejas. Dantas conta que já produziu cervejas com adição de frutas como maracujá, jabuticaba e cajá. E outras frutas já estão na lista para as próximas produções: caju, mangaba e outros frutos do cerrado.
A cerveja artesanal parece formar o par perfeito quando se trata de casório. O servidor conta que produziu cerveja para presentear os padrinhos no casamento do sobrinho. O presente teve direito a rótulo e embalagem especial, e ele garante que o presente agradou.
O alquimista
Por último e não menos importante temos José Amylton, lotado na SeinfraPortoFerrovia, que levou o hobby a sério e tratou logo de adquirir equipamentos mais profissionais e montou uma pequena cervejaria em casa.
Amylton relembra com gosto de suas viagens à Alemanha e como se dividia para experimentar a maior variedade possível de cervejas, que ele garante terem sido bastantes. “De todas bebidas alcoólicas, a cerveja sempre foi uma que me atraiu bastante”, afirmou com entusiasmo.
O servidor começou a produzir cerveja em casa há três anos, e apesar de ter começado sozinho e se considerar um autodidata, julga essencial que a pessoa procure um curso para entender melhor os processos de produção e garantir um produto final de qualidade. “A receita nem sempre ajuda. O segredo está na técnica. Cerveja é técnica, experimentação e magia. Alquimia mesmo. Você constrói a partir daquilo, das etapas do processo”, pondera o alquimista cervejeiro.
O homebrew (veja o glossário abaixo), além de autodidata, também se aventura como instrutor. José conta que já reuniu dez pessoas em sua casa para ministrar um curso de como produzir cerveja. O curso foi realizado ao longo de algumas semanas, até a cerveja estar finalmente pronta para consumo. “Eu me sinto realizado produzindo minha própria cerveja, é muito gratificante. Passar essa arte adiante também é prazeroso”, finalizou.
Glossário
EBC – Abreviatura de European Brewery Convention, uma associação criada em 1947 para promover o desenvolvimento técnico e científico das cervejas. É também uma unidade de medida usada para aferir alguns parâmetros da cerveja, tais como cor e amargor.
Fermentação – Processo provocado pelos fermentos que por meio de reações químicas transforma carboidratos em álcool ou ácido.
Homebrew – Nome dado aos produtores de cerveja caseira, artesanal e de pequenas quantidades.
Malte – Cereal que passou pelo processo de germinação e secagem para transformação do amido em açúcar fermentável.
Fonte do Glossário:
Texto de Raphaele Caixeta e edição de Emerson Douglas
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